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terça-feira, 12 de abril de 2011

O lado bom da crise

Por aqui a crise continua.
Correndo bem há-de continuar.
Com nuances novas todos os dias. Com discursos e afirmações pomposas de tudo o que é líder político e mesmo de quem não é líder de coisa nenhuma. Pode dizer-se que a crise é que está a dar.
O discurso político tornou-se oco e repetitivo e apetece fazer o que se fazia quando o Marcelo Caetano, já em fim de prazo de validade, vinha fazer as suas Conversas em Família na televisão - desligar o som e substituir o discurso pelo stand up comedian da altura, o Raul Solnado, a contar uma das suas histórias. O efeito era extraordinário. Na realidade, o discurso do Marcelo era francamente melhorado!

Voltando à crise - estamos mesmo em crise.
Aliás a crise é de tal modo grande e crítica que alastrou aos meandros da corrupção. Mesmo a corrupção entrou em crise.
Então verifiquemos se não é verdade, relembrando este comentário a um caso que tem andado aí pelos jornais, escrito (pela mordacidade se reconhece!) pelo Ricardo Araújo Pereira e publicado na Visão a 29 de Abril de 2010. Foi escrito há um ano, mas poderia ter sido hoje.




Este país não é para corruptos 

Em Portugal, há que ser especialmente talentoso para corromper. Não é corrupto quem quer. 
3:41 Quinta-feira, 29 de Abr de 2010   

 
Portugal é um país em salmoura. Ora aqui está um lindo decassílabo que só por distracção dos nossos poetas não integra um soneto que cante o nosso país como ele merece. "Vós sois o sal da terra", disse Jesus dos pregadores. Na altura de Cristo não era ainda conhecido o efeito do sal na hipertensão, e portanto foi com o sal que o Messias comparou os pregadores quando quis dizer que eles impediam a corrupção. Se há 2 mil anos os médicos soubessem o que sabem hoje, talvez Jesus tivesse dito que os pregadores eram a arca frigorífica da terra, ou a pasteurização da terra. Mas, por muito que hoje lamentemos que a palavra "pasteurização" não conste do Novo Testamento, a referência ao sal como obstáculo à corrupção é, para os portugueses do ano 2010, muito mais feliz. E isto porque, como já deixei dito atrás com alguma elevação estilística, Portugal é um país em salmoura: aqui não entra a corrupção - e a verdade é que andamos todos hipertensos.

Que Portugal é um país livre de corrupção sabe toda a gente que tenha lido a notícia da absolvição de Domingos Névoa. O tribunal deu como provado que o arguido tinha oferecido 200 mil euros para que um titular de cargo político lhe fizesse um favor, mas absolveu-o por considerar que o político não tinha os poderes necessários para responder ao pedido. Ou seja, foi oferecido um suborno, mas a um destinatário inadequado. E, para o tribunal, quem tenta corromper a pessoa errada não é corrupto - é só parvo. A sentença, infelizmente, não esclarece se o raciocínio é válido para outros crimes: se, por exemplo, quem tenta assassinar a pessoa errada não é assassino, mas apenas incompetente; ou se quem tenta assaltar o banco errado não é ladrão, mas sim distraído. Neste último caso a prática de irregularidades é extraordinariamente difícil, uma vez que mesmo quem assalta o banco certo só é ladrão se não for administrador. 

O hipotético suborno de Domingos Névoa estava ferido de irregularidade, e por isso não podia aspirar a receber o nobre título de suborno. O que se passou foi, no fundo, uma ilegalidade ilegal. O que, surpreendentemente, é legal. Significa isto que, em Portugal, há que ser especialmente talentoso para corromper. Não é corrupto quem quer. É preciso saber fazer as coisas bem feitas e seguir a tramitação apropriada. Não é acto que se pratique à balda, caso contrário o tribunal rejeita as pretensões do candidato. "Tenha paciência", dizem os juízes. "Tente outra vez. Isto não é corrupção que se apresente."



Conforme dizia um anúncio célebre "Palavras para quê? É um artista português!"


Por isso, se não quisermos ouvir os políticos que por aí andam mas, ainda assim, quisermos saber o que andam a fazer, preservando ao mesmo tempo a nossa sanidade mental, recomendo ouvir o Governo Sombra na TSF à sexta feira, a partir das 19.15. 
Quem não tem acesso à TSF pode ouvir em podcast no link que aí está



É só escolher o programa no arquivo de emissões. Claro que os mais recentes ainda estão "quentinhos" mas todos os outros mantiveram a temperatura adequada. Recomendo vivamente o nº 100, pela celebração e pelos Deolinda.



João Miguel Tavares, Pedro Mexia e Ricardo Araújo Pereira conseguem convencer-nos a votar neles nas próximas eleições.
Se calhar até nem era má ideia. Com as alternativas que nos sugerem...





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